quinta-feira, 19 de novembro de 2015

20 de Novembro, dia da Consciência Negra... Algumas reflexões



Encontrei minhas origens

(...)

Encontrei minhas origens
Na cor de minha pele
Nos lanhos de minha alma
Em mim
Em minha gente escura
Em meus heróis altivos

Encontrei
Encontrei-as enfim
Me encontrei.

Oliveira Silveira

          Começo o texto com este singelo e profundo poema, de uma das grandes vozes em defesa dos negros no Brasil, o poeta Oliveira Silveira, no sentido de mostrar o encontro com a ancestralidade, com a história, com a negritude que existe em todos os brasileiros, com as negações que o povo negro sofreu e sofre na construção desse imenso país.

          Para muitos, o dia 20 de novembro é apenas mais uma data, mas para quem teve e tem esse encontro com as origens da “minha gente escura” é um dia de profundas reflexões, de lutas, de comemorações, de buscas, hoje, que é dia de Zumbi dos Palmares, um dos nossos heróis altivos, e dia da Consciência Negra, é o dia para lembrarmos as atrocidades cometidas contra os negros durante a escravidão, do racismo que ainda corrói nossa sociedade e ceifa a vida de milhares de jovens, crianças, mulheres e homens nesse país e em vários lugares do mundo.

         Hoje também é dia de lembrar dos cinco “nãos” históricos, que segundo Leonardo Boff, os negros e em geral a população pobre e marginalizada desse Brasil são vítimas. Primeiro veio a “colônia”, assim, fomos reduzidos a condição de não-povo; segundo a “escravidão” fomos levados a categoria de “não-pessoa”; terceiro a “exclusão social” que faz do ser pobre, preto um “não-cidadão”; o quarto é o “racismo” que coloca muitos seres humanos como desprezíveis, inferiores; e por último a “marginalização religiosa” que faz mulheres e homens serem indignos de serem filhos de Deus. E dessa forma, os negros foram arrancados de suas terras, de suas origens e transplantados como “bichos” enjaulados, maltratados, desnudos para Novo Mundo, esse, que foi sucumbido a ganância e a maldade do homem europeu, trazendo o mal da superioridade de uma cor e inferiorização dos demais.

          Ser negro é uma batalha diária de afirmação, porque fomos acostumados nas escolas, nos lugares de convívio social que nossa cor não é bonita, que nossa pele é suja, que nosso cabelo é ruim, que nossas mulheres merecem empregos ínfimos, que nossos jovens precisam morrer todos os dias vítimas do tráfico, da violência, das drogas. Dizem que o nosso lugar não é nas universidades, que não merecemos ter uma profissão, uma família, uma casa, por que não temos “alma”, porque nossa pele é imunda, por que nossa religião é coisa do “demônio” que nossos orixás são coisas do mal, que nosso lugar é na favela, nos subúrbios ou nas prisões.

          Mas diante de todos estes estereótipos que nos foram dados ao longo dos séculos, o que temos a dizer e a mostrar ao mundo é que nossa cor “Negra, Preta” é linda, nossas mulheres maravilhosas, nossos jovens são seres humanos como os demais, que nossos ritmos são contagiantes, que nosso axé traz a energia da vida, que nosso cartão de visita é a alegria de viver e mostrar que a cor da pele que nos veste não dever servir para diminuir as pessoas, que não importa se somos negros, brancos, índios, que nossas crenças sejam diversas, o importante é que somos humanos e devemos respeitar as diferenças na busca pela paz, paz entre as nações, paz entre as pessoas.

          Assim como Martin Luther King “Eu tenho um sonho”, sonho de que as histórias dos nossos ancestrais negros façam parte do currículo escolar, que nossos jovens não morram vitimados pelo racismo que mata todos os dias, que nossas mulheres negras não sejam vistas apenas como objetos sexuais, empregadas domésticas e faxineiras, pois temos capacidade de termos qualquer profissão. “Eu tenho um sonho” de que minha nação não seja racista, preconceituosa e exclusiva, que busque a equidade entre os povos.

         E para finalizar as reflexões desse 20 de novembro trago uma frase do nosso maravilho e saudoso Bob Marley “Enquanto a cor da pele for mais importante do que o brilho nos olhos, haverá guerra” 

Por Ana Paula de Lima
Mulher, Negra, Brasileira

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Nina Simone, "a Alta Sacerdotisa da Alma"


          
          A música acima "Feeling Good" (me sentindo bem) traz em sua melodia a letra, a singularidade, o poder e a magia envolvente da "Alta Sacerdotisa da Alma", Nina Simone, uma voz que transcende o tempo e o espaço, uma musicalidade de hipnotizar quem a houve. Assim é toda obra dessa mulher negra, estadunidense, que sentiu a vida de forma extraordinária, que viveu seus altos e baixos, mas não deixou de ser Nina Simone.
          Uma das artistas mais irreverentes que o século XX conheceu, um verdadeiro ícone da música americana. Eunice Kathleen Wayman, nascida em 1933 numa comunidade negra da Carolina do Norte, foi uma pianista, compositora, cantora e ativista pelos direitos civis norte-americanos, que deixou para o mundo uma obra musical verdadeiramente atemporal.
Nina Simone,Google Imagens

          Incompreendida por muitos pela sua genialidade, e admirada por vários pela coragem de transcender as barreiras sociais e raciais, e gritar para o mundo as segregações existentes com sua voz perturbadora e quase exógena, Nina, conheceu o mundo pelo viés da exclusão por ser negra, por ser mulher. E como mesma disse foram poucos os momentos em que sentiu o que é ser livre e compreendeu com profundidade o conceito de liberdade.
          Em 1972 ela disse "É um sentimento. Liberdade é apenas um sentimento. É como tentar explicar para alguém como é estar apaixonado. Como você vai explicar isso para alguém que nunca sentiu? Você não consegue. Mas você sabe quando acontece. Houve algumas vezes no palco em que eu realmente me senti livre. E isso é uma coisa incrível. É realmente incrível. Eu te digo o que a liberdade significa para mim: nenhum medo! Realmente nenhum medo. Se eu pudesse ter isso por metade da minha vida... É algo que realmente se sente. Como um novo jeito de enxergar."
          De fato, Nina transcendeu ao entender o sentimento da liberdade e de sentir-se em poucos e raros momentos livre numa sociedade racista, machista e exclusiva. Através de um olhar penetrante que mostrava a sensibilidade e voracidade de sua alma ela foi uma mulher que enxergou os conflitos sociais, a segregação, a militância com o fervor, e fez de sua voz um grito de alerta e de luta contra as injustiças de seu tempo, mas sempre atormentada pelas lembranças de uma infância marcada pela segregação racial, em conflito com a sua realidade e com o não alcance da liberdade interior de poder ser Nina Simone.
Nina Simone, Google Imagens

          A busca pela liberdade faz Nina ver seu talento como obrigação e tudo, a família, o amor se torne um fardo pesado e em 1970 ela abandona tudo. Nos anos 80 foi encontrada abandona na França, com o passar dos anos tornou-se maníaco-depressiva e o tratamento ao qual se submeteu acabou comprometendo seus reflexos e sua irreverente voz.
          Lançou diversos álbuns ao longo de sua carreira, cada qual com um nível diferente de voz, melodias e letras que marcaram gerações e permanece seguindo se curso no tempo e em diversos espaços desse imenso planeta. Em 21 de abril de 2003 a voz que encantou e desencantou-se tantas vezes com o mundo morre aos 70 anos, segundo seu empresário, de causas naturais. Mas seu legado continua...
         Nina Simone, em sua autobiografia, diz que sua função como artista é "... para fazer as pessoas se sentirem em um nível profundo." E de fato que teve a oportunidade de sentir as canções dela vai sempre mais além, mas profundo, realiza uma viagem guiada pela sua voz.
          Em junho desse ano o Canal Netflix liberou o documentário "What Happened, Miss Simone?" (O que houve, Srta. Simone?). Dirigido por Liz Garbus, o documentário trás uma série de entrevistas e cenas raras de shows de Nina, além de depoimentos de pessoas ligadas a ela. Confira o trailer abaixo.
Trailer do Documentário "What Happened, Miss Simone?"

E o legado de Nina Simone continua...

Por Ana Paula de Lima