A dica de leitura de hoje do Blog Afros, é o primeiro número dos "Cadernos Diálogos Africanos," que tem como objetivo disseminar estudos e análises, além de incitar o debate sobre a África e suas relações com o Brasil. Esse é um projeto do Instituto Lula, com iniciativa da África.
A dinâmica das sociedades
contemporâneas nos colocaram em situações em que precisamos nos questionar
diariamente sobre o valor das diferenças, tendo em vista, que a globalização
nos tornou sujeitos de participação, ativa ou passiva, das decisões ou lutas
por melhores condições de vida, por direitos, por respeito e por aceitação,
dentro de uma perspectiva que leva em conta as diversidades sociais e culturais
humanas.
Nas
palavras que seguem, vamos nos ater a um fenômeno social, que se encontra
enraizado na sociedade brasileira desde que os europeus pisaram nessas terras,
há cerca de quinhentos anos, o Racismo, e os desafios que temos no debate e na
concretização de políticas de Ação Afirmativa, que buscam inserir negros e
negras no seio da construção de um país democrático, em que a igualdade de
direitos e oportunidades sejam para todos, independentemente das nossas
diversidades.
Diante
disso, precisamos nos questionar sobre o que é ser negro no Brasil. Essa é uma
daquelas perguntas que exige de cada um de nós uma profunda reflexão sobre o
que é o Brasil, e toda sua conjuntura social, política e cultural, e claro,
realizar uma análise sobre a política de expansão europeia a parti do século XV
em diante, e sobre o processo devastador e desumano, aos quais foram submetidos
a população de muitos países africanos.
Ser
negro no Brasil, ainda é desafiar a própria condição de ser, é carregar nos
ombros a moléstia da exclusão social e racial, estruturadas sob a máscara do
Racismo, que se mostra, em faces sutis e deliberadas, o quanto é perversa,
maquiavélica e assassina. A partir de seu julgo há o que podemos chamar de os “selecionados
para o banquete dos direitos, da oportunidade e da liberdade”; existe o emprego
para o rico e um para negros e pobres, os restaurantes, o acesso aos bens de consumo,
aos cursos universitários, e tantas outras coisas.
Para
os setores conservadores da sociedade brasileira, que tentam a todo custo
mascarar as consequencias dessa perversidade social, não existe Racismo; o
Brasil é o que podemos chamar de paraíso da “democracia racial” (aqui quando me
refiro a raça, estou levando em consideração os aspectos culturais e ao fenótipo),
onde brancos, negros, índios e pobres, tem as mesmas condições e oportunidades para
frequentar escolas de “alta qualidade”, os bancos das universidades, se
elegerem para cargos públicos. Isso é discurso demagogo, racista e
preconceituoso de pessoas que acreditam que brancos e ricos são superiores, que
a vida de mulheres, homens, jovens e crianças negras valem bem menos, ou quase
nada.
Para
dar mais força e credibilidade ao “mito da democracia racial”, o Racismo se
estruturou nas mais diversas instituições brasileiras, assim, podemos dizer que
há uma “permissão” para que as pessoas sejam vítimas dos mais variados tipos de
violência, por que negros e pobres são tidos como incapazes ou menos
merecedores da vida. Muitas vezes somos usados e usadas como massa de manobra
para justificar a manutenção das classes sociais e para mostra o lado do “bem e
do mal” na sociedade.
Mas
também precisamos mencionar aqui, que é visível que nos últimos vinte anos
temos avançado na luta contra o Racismo e na conquista de direitos, como por
exemplo a promulgação do Estatuto da Igualdade Racial, a Lei 10.639 de 2003,
que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira
nas escolas; a Lei de Cotas para negros nas universidades, o que tem permitido
um grande contingente de negros e negras entrarem no ensino superior; temos a
diversificação dos movimentos negros no Brasil, como o Movimento de Mulheres
Negras, o Movimento de Jovens Negros das periferias das cidades, que através da
arte, da música vem levantando suas bandeiras; o debate sobre essas questões
também tem estado presente nos meios de comunicação e entretenimento, como
filmes, novelas, jornais, e nas chamadas mídias sociais.
Mesmo
perante um “cenário favorável” á nossas causas e lutas, ainda temos um longo
caminho a percorrer, por que a todo momento somos ameaçados de alguma maneira,
principalmente no contexto atual do Brasil. Nossa luta é por dignidade humana,
é pela vida, por que no Brasil o Racismo está arraigado no imaginário social
como algo natural, disfarçado de “boas intenções”.
Por
aqui vou terminando minha fala, mas não a minha luta, que é diária, que é
difícil, mas que vale apena. Para muitos essa é apenas a voz de mais uma negra
com complexo de racismo, uma negra que deveria se calar para não afetar a
harmonia social e para não incomodar o status quo da sociedade brasileira.
Deixo como dica para aprofundar mais essas questões a fala do jornalista Carlos Medeiros, sobre Raça e Racismo no Brasil, no Programa Café Filosófico.
Boa noite a todos e a todas, hoje o Blog Afros traz como dica o documentário "Pele Negra, Máscara Branca, que teve estreia em 2006, e se mostra uma oportunidade de adentrar no fenômeno social conhecido como "branqueamento."
Do diretor Conrado Krainer o documentário, baseado no livro de mesmo nome de Frantz Fanon, mostra o branqueamento sob duas perspectivas: acadêmica, com comentários do Professor Kabenguele Munanga, e concreta a partir dos depoimentos de várias pessoas que passaram e passam pelas consequências extremamente nocivas do racismo.
Confira abaixo o documentário, e vamos levar para nossos espaços de atuação essas discussões que afetam social e psicologicamente toda sociedade brasileira.
Atlântico Negro - Na Rota dos Orixás Google Imagens, 2016
O documentário "Atlântico Negro - Na Rota dos Orixás", produzido em 1998 por Renato Barbieri e pelo historiador Victor Leonardi, traz em sua sonoridade e imagens a riqueza cultural africana e afro-brasileira, no que tange, principalmente, a religiosidade, assim como também, a importância desse continente para a construção da sociedade brasileira.
Um dos pontos chaves do filme é a desconstrução das visões etnocêntricas e preconceituosas que temos em reação ao continente africano, como um lugar atrasado no tempo e no espaço, permeado de mazelas sociais, sem vida, sem história, mostrando seu lado cultural que deu origem ao Candomblé na Bahia, ao Xangô em Pernambuco, ao Tambor de Minas no Maranhão, e a tantas outras religiões afro-brasileiras que trazem consigo as tradições dos lugares situados do outro lado do Atlântico.
Desconstruir essas imagens negativas da África e tecer outros olhares sobre suas sociedades nos auxilia a compreender a nossa própria história, tanto no que se refere aos hábitos sociais, quanto aos costumes oriundos desse continente.
O documentário traz personagens com Pai Euclides, Sacerdote da Casa Fanti Ashanti em São Luís no Maranhão, que inicia a narrativa enviando uma mensagem para Vodunon Avimanjá-Non, chede do Templo de Avimange, em Oidá, em Benin, de onde vieram, para o Brasil, muitos homens, mulheres e crianças durante mais de três séculos de escravidão negra, carregando em seus corações e memórias suas formas de pensar, sentir e fazer, ou seja, suas identidades sociais, culturais e religiosas.
O documentário se mostra uma ótima oportunidade para professores, estudantes, pesquisadores e demais interessados em conhecer mais sobre as relações, mais que intrínsecas, entre África e Brasil, e o que resulta do encontro entre sociedades separadas por um oceano, e aproximadas pelas vivências, pela ancestralidade e pela riqueza cultural e social transportadas nos porões imundos dos navios negreiros, que saíam da África com destino ao Brasil, e para outros países da América.
Confira o documentário "Atlântico Negro- Na Rota dos Orixás:
Vamos ampliar os horizontes, compreender a nossa história, a nossas tantas histórias, e aceitar a nossa ancestralidade africana que pulsa em nossa cultura, em nossos costumes, em nossas religiões.
Capa do Livro "Onda Negra Medo Branco"
Google Imagens, 2016
Livro de Célia Maria Marinho de Azevedo, "Onda Negra, Medo Branco, o negro no imaginário das elites do século XIX, traz discussões interessantes que nos auxiliam a pensar e refletir quais as representações dos negros no século XIX a partir de um olhar da elite brasileira.
A obra se estrutura a partir de duas questões bases: 1° O que fazer com os negros quando a escravidão chegar ao fim? e 2° Como impedir um final brusco da escravidão, deixando a solta e sem nenhuma regra uma imensa população de negros e mestiços pobres em um país regido por uma minoria de ricos proprietários brancos?
O livro é dividido em quatro capítulos:
1° Em busca de um povo (Projetos emancipatórios Projetos Imigrantistas; e Projetos Abolicionistas);
2° Os Políticos e a "Onda Negra" (A batalha contra o tráfico; O nacional livre em debate; O sentido racista do imigrantismo; O grande avanço imigrantista; e O imigrantista consolidado);
3° O "Não Quero" dos Escravos (Crime de escravos; Revoltas, fugas e apoio popular; e A pátria em perigo! Pela união Nacional!); e,
4° Abolicionismo e Controle Social (A defesa da ordem; Denúncia de racismo; e Integração e cidadania).
Poster de Divulgação do Documentário
'Tradição do Bará do Mercado
Google Imagens, 2016.
O Documentário "A Tradição do Bará do Mercado" lançado em 2007, traz o relato de sete religiosos de matriz africana, abordando o fundamento afro religioso conhecido como "Bará do Mercado Público", o qual nos leva a conhecer as experiências urbanas desses personagens negros na cidade de Porto Alegre.
O documentário tem a direção da Antropóloga Ana Luiza Carvalho da Rocha que integra, juntamente, com Cornelia Ecket o Banco de Imagens e Efeitos visuais do Programa de Pós Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O documentário traz como entrevistados: Adãozinho do Bará, Mãe Norinha de Oxalá, Mestre Borel,Mãe Maria de Oxum, Mãe Angélica de Oxum, Pai Nilson de Oxum, Babadiba de Iemanjá, que integram a Congregação em Defesa das Religiões Afro-brasileiras - CEDRAD, fundada em 2004 por Mãe Norinha de Oxalá.
Buscado tornar mais conhecida uma antiga tradição manifestada através das práticas e ritos afro-brasileiros, o documentário constrói uma narrativa que nos leva a um passeio pelo tempo e pelas transformações da cidade de Porto Alegre, sob a perspectiva dos negros.
Confira o documentário:
"Conforme a tradição, no centro do Mercado, no meio da encruzilhada que o funda está "sentado" o orixá Bará - entidade responsável pela abertura dos caminhos e pela fartura. Uma tradição que remonta o Mercado como um espaço de reconhecimento e reivindicação da população afro-descendente e da cultura negra da cidade de Porto Alegre." (Filmow. com).
Cena de Candomblé, Wilson Tibério
Google Imagens, 2016
Em janeiro de 2003, os movimentos sociais negros, e a sociedade brasileira, alcançaram uma vitória extremamente significativa com a promulgação da lei 10.639 que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira, como tema transversal, nos currículos das escolas (de ensino oficial) públicas e privadas de todo o país. Com a vitória, também vieram os desafios, que ainda hoje permanecem presentes nos espaços escolares e sociais, se mostrando como empecilhos para uma educação democrática e inclusiva que valorize as relações étnicas raciais. Entre os desafios podemos citar: a ausência de formação para os professores trabalharem essas temáticas em suas salas de aulas, os conflitos sociais e ideológicos que rondam aspectos da cultura afro-brasileira, como é o caso da religiosidade e o próprio racismo. Se faz necessário mencionar que a educação no Brasil nunca foi de fato democratizada, assim, parcelas significativas da população, por motivos econômicos, sociais ou raciais, foram impedidas de se fazerem presentes nas escolas, também sendo negada a inclusão de suas histórias e identidades coletivas nos currículos escolares. Neste entremeio o negro, suas identidades e histórias sempre se mantiveram longe da escola, e da educação formal. Isso é perceptível diante das muitas reformas educacionais realizadas no país, em que essa nunca foi de fato uma prioridade, perante essas realidades de descasos os movimentos negros levantaram suas bandeiras de lutas por uma educação democrática e inclusiva, em que homens e mulheres, negros e negras fossem retratados de maneira justa, e não representadas pelos estereótipos da escravidão, da pobreza e da marginalidade.
Pintura Candomblé de João Alves. Google Imagens, 2016.
Quando entramos no campo das religiões de matrizes africanas os desafios ainda são muito maiores, em função das concepções deturpadas que foram sendo construídas sobre as mesmas ao longo do tempo em nosso país. É a "macumba", é o "xangozeiro", o "macumbeiro", entre outras denominações, que imperam nas escolas, sendo este um espaço que deveria primar pelo respeito as todas as crenças e credos, afinal, somos um país laico, e consequentemente as instituições públicas e privadas devem construir espaços de valorização e respeito por todas as religiões. Para compreender mais a fundo o porquê de as escolas ainda serem tão intolerantes com relação as religiões de matrizes africanas como o Candomblé, a Umbanda, o Batuque, entre outras, é necessário fazer uma viagem pelo próprio imaginário religioso brasileiro, e nesse sentido, perceber que desde que os povos oriundos da África vieram para o Brasil, através dos processos de escravidão, tiveram seus ritos e suas culturas subalternizadas, em contraposição a religião do europeu. Sendo construídas desde então versões e aversões sobre essas religiões, e mesmo depois de séculos de perseguição, de violência e muitas mortes, em pleno século XXI, as representações que se tem das religiões afro-brasileiras ainda são permeadas desses estereótipos. Mas, é justamente no seio dessas relações que as escolas precisam atuar para desconstruir esses imaginários. É visível que a falta de preparo dos professores e a própria cultura escolar acabam por minar mais ainda os campos das relações sociais religiosas entre os alunos, vezes por outras nos deparamos com reportagens que mostram como nossa educação ainda é intolerante. Existem alguns materiais didáticos e paradidáticos que trazem e apresentam as religiões afro-brasileiras para as escolas, como exemplo podemos citar: “O Negro no Brasil de hoje’, um paradidático que traz expressões culturais, históricas e religiosas como o Candomblé, a Umbanda e a Congada, também tem o livro África e Brasil Africano de Marina de Mello e Souza, que traz uma abordagem semelhante a anterior. Também é interessante mencionar aqui o Projeto “A Cor da Cultura” que tem como objetivo divulgar a história e cultura afro-brasileira e africana, trazendo uma abordagem simples e profunda em suas reflexões.
Livro África e Brasil Africano Google Imagens, 2016.
Livro o Negro no Brasil de Hoje Google Imagens, 2016.
Logo do Projeto a Cor da Cultura Google Imagens, 2016.
Mas a realidade é bem controversa, existe muita resistência por parte dos professores e das próprias coordenações pedagógicas em introduzir nas aulas de forma transversal as religiões de matriz africana, é claro, que pesa também a própria formação desses professores, que não lhes ofereceu os aportes teóricos e práticos necessários para trabalhar essas questões de maneira respeitosa, desmitificando a demonização dessas expressões religiosas.
Diante das questões expostas até aqui, primeiro é preciso compreender que os terreiros estão nas escolas, mesmo que seja de maneira totalmente deturpada, maldosa e estereotipada, nossos orixás, nossos mestres, estão lá, em muitos casos, nos nossos filhos de santos que precisam esconder a sua fé, ou conviver com a violência e a intolerância que ainda impera nesses espaços. O ponto chave que toda a estrutura escolar precisa entender é que nossas escolas são plurais, que nossas crenças são diversas, que nosso povo tem o direito de manifestar a sua fé seja ela qual for, afinal nosso país é laico. Sabemos que o caminho é longo e cheio de pedras e empecilhos, mas nossos ancestrais conseguiram transmitir tanta sabedoria ao longo dos séculos como a sonoridade de nossos atabaques, a divindade de nossos orixás, as histórias de tantas partes da África, e a perseverança nos tempos adversos para passar para outras gerações todas essas premissas, então nossa luta continua: por uma sociedade mais justa, por escolas democráticas e laicas, e pela formação de indivíduos mais humanos.